Blog de roberiocanto_18846

As mães tem sempre razão

terça-feira, 14 de maio de 2024

Em homenagem às mães leitoras de A VOZ DA SERRA, republico esta crônica  

As mães têm sempre razão. Para não exagerar, porque toda generalização é perigosa, direi que as mães têm razão em 99,9% das vezes. Pelas minhas contas, qualquer mãe tem que dar 10.000 opiniões para errar uma. Melhor que isso, só Deus, que nunca erra.  Verdade que criou o homem, mas se redimiu, criando a mulher logo em seguida. Parece que consta das Escrituras que, tendo feito Adão, Deus olhou bem e falou: “Eu posso fazer coisa melhor”. Então criou Eva.

Em homenagem às mães leitoras de A VOZ DA SERRA, republico esta crônica  

As mães têm sempre razão. Para não exagerar, porque toda generalização é perigosa, direi que as mães têm razão em 99,9% das vezes. Pelas minhas contas, qualquer mãe tem que dar 10.000 opiniões para errar uma. Melhor que isso, só Deus, que nunca erra.  Verdade que criou o homem, mas se redimiu, criando a mulher logo em seguida. Parece que consta das Escrituras que, tendo feito Adão, Deus olhou bem e falou: “Eu posso fazer coisa melhor”. Então criou Eva.

Um exemplo, só para exemplificar: Uma senhora levou a filha a um conceituado médico de nossa cidade e sugeriu que a moça estava com o mesmo problema que ela, mãe, havia tido quando jovem. Dizem que 10% dos juízes pensam que são Deus. Os outros 90% têm certeza. Parece que com os médicos não é muito diferente, e tanto que esse desfez do diagnóstico materno, pontificando que toda mãe apresenta essa mania doentia de querer saber, mais do que os doutores, do que os filhos padecem. Deu outra definição para o caso, rabiscou uma receita e mandou as duas para casa. Dois dias depois internou a moça, exatamente com o problema que a mãe havia sugerido. Eu, se fosse médico, consultava a mãe do paciente antes de tomar qualquer decisão, porque a ciência, por melhor que seja, nunca alcança 99,9% de acerto, coisa que coração de mãe faz sem precisar de vade mecum.

Estou puxando esse assunto porque ultimamente ando me lembrando de coisas que minha mãe dizia. Não que ela vivesse fazendo citações. Ao contrário, ela era de pouca conversa, mais de calar do que de falar. E tinha o dom de poupar os filhos de longos sermões, sintetizando em poucas palavras o que outras transformariam numa infindável catilinária.

Quando reclamávamos de algum acontecimento que nos parecia injusto, ela sentenciava: “Deus sabe o que faz, a gente não sabe o que fala”. Grande verdade! Se ouvíssemos mais a voz de Deus e falássemos menos, com certeza nossas burradas e consequentes sofrimentos seriam bem menores. “Quando a cabeça não pensa, o corpo é que paga”, ponderava ela, se atitudes erradas resultassem em sofrimentos físicos, tais como ficar doente, engordar ou emagrecer demais, ferir-se ou mesmo morrer. De alguém que colocava no prato mais do que podia comer, dizia que o guloso pretendia “Comer com os olhos”, ou que tinha “O olho maior que a barriga”.

Na verdade, era um tempo de sínteses definitivas. Bares e armazéns abriam todos os dias com a mesma tabuleta pendurada na parede: “Fiado só amanhã”. E, embora fosse comum a existência de um prego em que as dívidas dos fregueses eram penduradas, o fiado sempre foi malvisto. Não era incomum que vários estabelecimentos ostentassem um cartaz em que duas famílias ficavam lado a lado, separadas por dois fios de tinta: um azul e outro vermelho.  No lado azul, numa sala luxuosa, um comerciante rico e saudável, cercado de lindos filhos e linda esposa. No vermelho, seu colega esquelético, sentado numa cadeira capenga; a mulher, esfarrapada, segurando nos braços uma criança desnutrida, enquanto duas outras olham para a clientela com olhos de fome. Embaixo de cada figura, a legenda completava a obra de arte: “Este vendeu a dinheiro. Este vendeu fiado”.

E vou parando por aqui, porque já falei demais, e mamãe sempre dizia que “A palavra é de prata e o silêncio, de ouro”. Em todo caso, espero não ter gasto toda essa prata sem dizer ao menos alguma coisa que se aproveitasse.

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Os noivos

quarta-feira, 01 de maio de 2024

O passado existe, e a literatura é capaz de torná-lo presente

O poeta João Cabral de Mello Neto disse que estava velho demais para ler, pois o livro podia não compensar o tempo gasto na leitura. Por isso, só relia, e assim tinha a certeza de não desperdiçar o tempo que ainda lhe restava. Comigo aconteceu que li muitas coisas prematuramente, isto é, quando minha capacidade de compreensão das obras era ainda menor do que hoje, e para falar a verdade, mesmo essa é bem pequena. Para remediar tamanha falha, tenho relido mais do que lido.

O passado existe, e a literatura é capaz de torná-lo presente

O poeta João Cabral de Mello Neto disse que estava velho demais para ler, pois o livro podia não compensar o tempo gasto na leitura. Por isso, só relia, e assim tinha a certeza de não desperdiçar o tempo que ainda lhe restava. Comigo aconteceu que li muitas coisas prematuramente, isto é, quando minha capacidade de compreensão das obras era ainda menor do que hoje, e para falar a verdade, mesmo essa é bem pequena. Para remediar tamanha falha, tenho relido mais do que lido.

É comum dizer-se que, no mundo atual, até o passado é incerto. Ou que, quando muito, só existe como lembrança, na qual não se pode confiar. Até me recordo daquele político que, acusado de possuir uma fazenda de valor muito acima do que seus vencimentos permitiriam, negou ser o proprietário. Confrontado com os documentos que provavam a posse, declarou serenamente: “Ué, não é que tinha me esquecido!”

Seja lá como for, o passado existe. E a literatura, é a melhor maneira de visitá-lo, entendê-lo e aprender com ele. Mais uma vez acabo de constatar isso, relendo o romance “Os Noivos”. O autor, Alessandro Manzoni nasceu em 1785, na cidade italiana de Milão. Inicialmente tido como pouco inteligente, a partir dos 15 anos começou a revelar seu talento para as letras e veio a tornar-se um dos maiores nomes de literatura italiana.

“Os noivos” é a história de amor entre dois jovens humildes e o desejo de um homem poderoso pela moça. Tem personagens de uma grandeza moral admirável, e outros de comportamento violento e desprezível. Aos dramas pessoais, soma-se o drama de uma população faminta e desesperada, que invade as padarias gritando pão! pão! pão!  Não pretendo fazer resenha do livro, mas me deter em um de seus aspectos mais marcantes: o período da narrativa em que Milão é atingida por uma peste que diariamente mata centenas de pessoas. As mortes são tantas que surge uma nova categoria profissional, os “monatti”, encarregados de recolher os corpos nas casas e nas ruas.

Lendo essa passagem da obra de Manzoni, fiquei pensando em como tudo muda, mas o ser humano é sempre o mesmo, é sempre igual o drama humano. Pois, apesar de a peste ter sido uma cruel e avassaladora realidade, muitos negaram sua existência até o momento em que carroças conduzidas pelos monatti tornaram-se parte da paisagem. Não era possível manter os olhos fechados diante do amontoado de corpos nus a caminho do cemitério.

Também muitos de nós, em pleno século XXI, tal e qual tantos milaneses do século 18, só abrimos os olhos para a covid 19 quando os hospitais estavam abarrotados, e os sepultamentos às centenas nos obrigaram a reconhecer a epidemia. Sim, o passado existe e a literatura é capaz de torná-lo presente. Ela nos permite viver em tempos longínquos e, se quisermos, aprender com eles, para não repetirmos os mesmos erros.

Porque a sabedoria está em aprendermos com os erros passados e a burrice, em repeti-los.

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Entre o óbvio e o obvio

terça-feira, 16 de abril de 2024

Não era o único a buscar nas garrafas da branquinha inspiração para abrilhantar seu pronunciamento

Não era o único a buscar nas garrafas da branquinha inspiração para abrilhantar seu pronunciamento

Na simpática cidade de Santa Cecília (que eu não conheço, mas por isso mesmo merece de mim pelo menos o título de simpática), um vereador teve atuação especialmente destacada em sessão do legislativo local. Alegando que nunca se pronunciava nas reuniões, insistiu no seu direito de, pelo menos uma vez, falar como bem lhe aprouvesse, ainda que lhe aprouvesse falar embriagado, como era justamente o caso naquele momento.   Não sei se esse senhor é um bom representante do povo, mas não se pode negar que é um homem sincero. O nobre edil começou seu discurso informando aos presentes que havia “tomado umas cachaças” antes de se dirigir à sessão do dia e, mais, afirmou que todos os colegas faziam o mesmo, isto é: degustavam umas e outras antes de vir trabalhar em favor do povo santa-ceciliense. A se acreditar em sua etílica sinceridade, nenhum dos presentes podia lhe cassar as palavras e nem havia motivo para tanto. Afinal, não era o único a buscar nas garrafas da branquinha inspiração para abrilhantar seu pronunciamento.

No pequeno plenário, os protestos foram poucos, não sei se porque a acusação tinha fundamento, ou se porque reconheciam que o orador falava com a autoridade que seus eleitores lhe conferiram, embora com voz arrastada e pernas oscilantes. Contudo, a certa altura dos acontecimentos, o presidente da Casa julgou por bem advertir o colega de que este devia se ater ao assunto em pauta, ao que o orador retrucou, ébrio de autoridade: “Posso falar? Posso falar? Eu nunca falo nessa... de Câmara. Hoje vou falar”. E seguiu elogiando a prefeita, que, segundo sua sóbria avaliação, “é a melhor que essa cidade já teve!” Por fim, entre risos de uns e constrangimento de outros, o presidente deliberou encerrar a sessão, sob protestos do parlamentar, que certamente não havia elogiado suficientemente a chefe do governo municipal.

Não sei se o ditado latino “in vino veritas” se aplica à estimada aguardente nacional e se a prefeita se sentiu valorizada ou envergonhada com a entusiástica defesa do seu correligionário. É improvável que “in cachaça veritas”, o mais certo é que ela seja a causa de muita tristeza. Mas às vezes os bêbados protagonizam cenas de comédia pastelão, como se viu nessa histórica sessão legislativa.

Essa notícia me fez lembrar de uma anedota que há alguns anos se contava sobre um dos mais conhecidos políticos de nossa cidade. Eleito deputado estadual, comparecia regularmente à assembleia, em cujas cadeiras aproveitava para descansar da exaustiva viagem à capital do estado. Como na época não havia celular, contentava-se em passar os olhos pelo jornal do dia e depois tirava uma soneca, embalado pela voz dos colegas que peroravam na tribuna. Não incomodava ninguém, não perturbava o sono dos demais deputados, nem prolongava inutilmente a sessão. Eis que um dia, para espanto geral, nosso representante naquela Casa levanta a mão e pede a palavra. Concentração geral. “Finalmente vamos ouvi-lo!”  Com a solenidade que as circunstâncias exigiam, fez o seu primeiro pronunciamento: “Senhor Presidente, peço a Vossa Excelência que mande fechar a janela em frente, pois o vento está me incomodando”.

Também me lembrei de uma história já contada aqui, mas que vem a calhar. Na Câmara de uma cidade mineira, um vereador pronunciou a palavra “obVIo”. Um colega, provavelmente de partido adversário, não deixou passar: “O correto é ÓBvio, nobre companheiro”. Ora, por orgulho ou ignorância, o admoestado não se curvou e insistiu no “obVIo”. Instalou-se o bate-boca, cada um dos debatedores mais doutos em assuntos de língua portuguesa. Sabemos que essas discussões sobre os magnos assuntos de interesse do povo costumam terminar em tapa. Diante do temporal que ameaçava desabar no plenário, o presidente pôs o assunto em votação. Feita a apuração, “obVIo” ganhou por larga maioria de votos!

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Trezentos-e-cincoenta

terça-feira, 02 de abril de 2024

Ninguém se molha duas vezes na água do mesmo rio

Ninguém se molha duas vezes na água do mesmo rio

É um truísmo, mas é também uma verdade: basta termos a coragem de nos encararmos um só instante para concluirmos que estamos ─ como tudo que é vivo – em constante transformação. Ao acordarmos de manhã, já não somos aquele mesmo que se deitou à noite: um fio de cabelo branco brotou discreta, mas irreversivelmente; uma ruga riscou a testa e tende a se aprofundar. Talvez nos iludamos, achando que mudamos para melhor. Mas, se os que nos conhecem concordam, pode ser apenas porque o sentimento de solidariedade imposto pela frágil condição humana os obrigue a mentir, ou a calar, o que não é senão outra forma de mentir.

Tudo muda, disso já sabia o filósofo Heráclito, ao afirmar que ninguém se molha duas vezes na água do mesmo rio, pois, ao entrar, a água já é outra, e outra é a própria pessoa que mergulha. E, claro, não se trata só de mudança física, que dessa o tempo cuida com especial zelo, segundo a segundo, até o dia em que não temos escolha senão reconhecer que já não somos o que pensávamos, e então nos perguntamos, como Cecília Meireles: “Em que espelho ficou perdida a minha face?” Mudamos principalmente naquilo que julgávamos ser o mais permanente: convicções e lembranças; a simpatia que virou amor para a vida inteira; o que sabíamos e desaprendemos; o que era certeza e agora reconhecemos ter sido apenas ignorância, fantasia ou mera ilusão. O futuro é incerto e o passado, instável.

Julgamos que somos uno, inteiro, indivisível, contudo, como descobriu Mário de Andrade: “Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cincoenta”, embora acreditando que “um dia afinal eu toparei comigo”. E mesmo que afinal topemos conosco, para os outros continuaremos sendo tantos quantos são os que nos olham. Cada um que nos vê, vê uma pessoa diferente, diferente sobretudo daquilo que nós mesmos enxergamos em nós.

Essa filosofia de botequim, essa sabedoria de almanaque me assaltou quando, passando por uma rua, me lembrei que ali morava uma amiga que tive em tempos idos. Certa vez, estávamos justamente filosofando sobre o quanto tínhamos mudado, como pessoas e como profissionais, desde o dia em que, numa sala de aula da faculdade, nos encontramos pela primeira vez. Com humilde bom-humor, admiti: “Se eu tivesse me conhecido dez anos atrás, eu não falaria comigo”. Ela, com bem-humorado sarcasmo, respondeu: “Por aí você vê o que tenho aguentado!”

Se, no momento em que eu passava, ela abrisse a janela e nos víssemos, o máximo de intimidade que poderíamos nos permitir seria um contido aceno de mão, um “oi” desanimado. Longe vai o tempo das confidências, tempo em que fazíamos piada um com o outro e nos divertíamos com isso. “Mudaria o Natal ou mudei eu?”, perguntou-se Machado de Assis. No caso da minha amiga (que não abriu a janela), mudou ela, mudei eu. Para ambos, o Natal é outro, outros Natais.

Quem ela enxerga agora, quando, por acaso e a distância, me vê? A visão será totalmente ruim, ou ao menos será amenizada pela lembrança feliz de coisas passadas? Grande é o desafio de mudar tentando preservar o que acaso tenhamos de bom, tentando melhorar naquilo que nos for possível e aceitando os altos e baixos ─ inevitáveis para mim, para você e para a minha amiga (que não abriu a janela).

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A inteligência no mundo

terça-feira, 19 de março de 2024

Ai, meu Deus, será que   estamos lá embaixo, no fundo do poço?

Ai, meu Deus, será que   estamos lá embaixo, no fundo do poço?

Li um teste de inteligência na internet e fiquei bem curioso, mas não me atrevi a responder as questões, com medo de sair muito humilhado. Se ainda fosse um teste de burrice, minhas possibilidades seriam consideravelmente melhores, esse é um tipo de avaliação em que muitas vezes ao longo da vida tenho me saído muito bem. Mas, esperando encontrar consolo nos meus conterrâneos, fui ver a classificação do Brasil na dita avaliação. Você pode estar achando que o brasileiro aparece no pódio, nem que seja nas laterais, estourando champanhe. Não quero decepcioná-lo, nem acentuar o complexo de vira-lata de que falava Nélson Rodrigues.

Mas o fato é que inteligência é uma coisa, esperteza é outra. Se fizerem um teste mundial de esperteza, certamente disputaremos os primeiros lugares. Mas a inteligência, para ser desenvolvida, depende de boa alimentação, boas escolas, boas oportunidades na vida, e tais coisas secularmente têm faltado à grande, senão à maior parte do povo brasileiro. Ainda assim, de vez em quando um patrício fura o bloqueio e se destaca. Graças a esses, temos cientistas na Nasa, diretores de cinema internacionais, professores nas melhores universidades de mundo, sem falar nos que ficam por aqui mesmo e pouco são citados e valorizados.

Entre os povos mais inteligentes do mundo, Hong Kong, Japão, Singapura e Taiwan estão empatados com 106 pontos, seguidos de pertinho pela China (104) e Coréia do Sul (103). Ou seja, parece que a inteligência é uma planta que floresce melhor lá pelos lados da Ásia. No meio de campo jogam vários países, com nota entre 90 e 100, dentre eles a Alemanha (13º. lugar, com 100 pontos). Os Estados Unidos ficaram com 97, na 30ª. classificação. Portugal está em 44º. (93), O Uruguai, o primeiro latino a dar as caras na lista, ocupa o 53º.lugar (89), vizinho do Chile que se agarrou ao 55º (88).

Aí fui passando os olhos lista abaixo, com o coração apertado, à procura do Brasil. Ai, meu Deus, será que   estamos lá embaixo, no fundo do poço? Bem, não sei se isso consola, mas tem gente pior do que nós. Eu juraria que os Emirados Árabes e a Arabia Saudita, que estão deitados, não em berço esplêndido, mas sobre poços de petróleo, nos deixariam comendo poeira ou cheirando gasolina. Mas estão bem mal na fita, em 72º. (82 pontos) e 89º. (77) lugares, respectivamente.

O Brasil ficou em 66º. lugar, com 83 pontos, espremido entre o Paraguai e as Filipinas. Já disseram que o Brasil é “o país do amanhã”, ao que algum engraçadinho retrucou: “Pena que amanhã é feriado”. Pode ser então que num amanhã ainda distante, mas que seja dia útil, a gente chegue a uma posição menos humilde. Podíamos começar declamando e praticando os versos de Castro Alves (inteligentíssimo!): “Oh, bendito o que semeia livros.../ Livros à mancheia/ e faz o povo pensar!/ que o livro caindo n´alma/ É germe ─ que faz a palma/ É chuva ─ que faz o mar”.

Por fim, citemos os últimos colocados, aqueles que, por suas desventuras passadas e as condições em que vivem no presente, certamente têm muita inteligência, mas oculta como um diamante no fundo da terra, ou uma flor no lugar mais ignoto da floresta. Gâmbia: 55 pontos (118º. lugar), Guatemala: 55 (119º.), Serra Leoa: 52 (120º.) e, lanterna dos lanternas, Nepal: 51 pontinhos (121º.).

Agora, falando francamente: se você for testado, a colocação brasileira melhora ou piora?

PS - O texto acima é uma crônica e não um artigo científico: portanto, não pode ser lido como se expressasse verdades absolutas. Os números são de uma pesquisa realizada entre 2000 o e 2019: em cinco anos muita coisa pode ter mudado. As questões dos testes foram elaboradas e resolvidas por europeus: nada prova que se apliquem a todos os povos e culturas. Os testes de QI avaliam principalmente o tipo de inteligência mais valorizado nos sistemas de ensino asiáticos: outras formas de inteligência são também valiosas.

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De roupa branca

terça-feira, 05 de março de 2024

Não é fácil se conseguir um bom cargo, quando outros cidadãos, todos mal-intencionados, estão querendo a mesma coisa

Não é fácil se conseguir um bom cargo, quando outros cidadãos, todos mal-intencionados, estão querendo a mesma coisa

Sujeito de sorte esse tal de Putin! Está no poder há 23 anos sem que ninguém chegue tão vivo e inteiro ao dia da eleição que possa enfrentá-lo. Verdade que de vez em quando alguém tenta se candidatar ou se atreve a criticá-lo. Mas, sendo ele um sujeito de sorte, como de fato é, coisas improváveis em outros países são mais ou menos corriqueiras na Rússia. Em geral, a Justiça “descobre” um motivo que impede a candidatura de qualquer pretenso adversário. Mas às vezes é o próprio Destino que se antecipa à Justiça, como acontece quando o candidato cai da janela do prédio onde estava sendo interrogado. Não que a culpa seja da polícia, a vítima é que teve a imprudência de sentar-se na janela do quinto andar. Ficou tonta e despencou lá de cima, deixando o desconsolado Putin sem adversário com quem possa debater na televisão. Outros preferem morrer na prisão, de repente, sem mais nem menos. Sem falar nos que vão para o exterior, mas são envenenados na rua por algum desconhecido que aleatoriamente os escolhe e os cutuca com a ponta de um guarda-chuva.

Enfim, não são poucos os países onde se realizam eleições livres, mas quem está no poder sempre vence, geralmente sem concorrência. Não é um exemplo a ser seguido, muito pelo contrário, mas também não é nenhum bom exemplo o que acontece em outros lugares, onde o sujeito tem que suar a camisa para se eleger. E suar a camisa não é aí simples metáfora. O candidato tem que beijar criancinha pobre, subir em palanque com partidários que odeia, desfilar em carro aberto com gente que nunca viu. Enfim, não é fácil se conseguir um bom cargo, quando outros cidadãos, todos mal-intencionados, estão querendo a mesma coisa.

E se fosse apenas suar a camisa! Também é preciso gastar uma monstruosidade de dinheiro que, embora saindo do bolso do povo, e não do candidato, é sempre um dinheiro que melhor ficaria se guardado em algum paraíso fiscal ou aplicado na compra de uma ilha. Às vezes é necessária a aquisição de um jatinho, porque as distâncias são grandes e não dá para fazer campanha andando de bicicleta ou em lombo de burro. E as despesas com marqueteiros e assessores! Também fica caro montar uma equipe de fofoqueiros, difamadores e fabricantes de fake news. Enfim, um sacrifício sem nome.

No entanto, a tudo isso sobrevive o sonho e a esperança – mais ainda: a certeza de que existem formas realmente limpas de escolha dos governantes. Lembremo-nos da origem da palavra “candidato”. Sabemos que ela vem do latim candidus ou seja, cândido, puro, imaculado. Daí, cadidatu, porque na Roma antiga os que se habilitavam a um cargo público vestiam-se de branco para simbolizar a pureza de sua vida e de suas intenções.

Não esperemos por anjos, que esses estão nos céus e muito raramente dão uma passada por este mundo. Mas não podemos desistir de escolher homens e mulheres de bem, que, não sendo anjos, ao menos sejam honestos e competentes. É o mínimo que devemos esperar dos candidatos. E nem exigimos que se vistam de branco durante a campanha.

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Diferentes e diferenciados

terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

Eu tenho um amigo que se orgulha de ter recebido propina em Portugal

Você tem a vaidade de se considerar uma pessoa diferente? Pois fique sabendo que você está muito desatualizado. Atualmente nada ou ninguém é diferente. Para estar na moda é preciso ser, isto sim, “diferenciado”. Pelé foi um jogador muito diferenciado, angu à baiana é um prato diferenciado à beça. Roberto Carlos continua diferenciado, diferenciada é a cidade do Rio de Janeiro. Ser diferente é coisa pouca, não distingue nem valoriza ninguém: ser diferenciado é que tem valor.

Eu tenho um amigo que se orgulha de ter recebido propina em Portugal

Você tem a vaidade de se considerar uma pessoa diferente? Pois fique sabendo que você está muito desatualizado. Atualmente nada ou ninguém é diferente. Para estar na moda é preciso ser, isto sim, “diferenciado”. Pelé foi um jogador muito diferenciado, angu à baiana é um prato diferenciado à beça. Roberto Carlos continua diferenciado, diferenciada é a cidade do Rio de Janeiro. Ser diferente é coisa pouca, não distingue nem valoriza ninguém: ser diferenciado é que tem valor.

Até recentemente, uma viagem podia ser adiada “por causa” do mau tempo, agora, porém, isso não acontece mais: adia-se uma viagem “por conta” do mau tempo. João e José se desentenderam por conta de uma música de Gilberto Gil, o Flamengo perdeu por conta de uma decisão errada do técnico. “Por conta de”, sempre cumpriu com modéstia e eficiência a função de indicar o que estava sob a responsabilidade de ou à custa de: A obra ficou por conta da prefeitura. O colégio dos filhos é por conta do pai. De uns tempos para cá, no entanto, passou a se meter no lugar de “por causa de”.

No futebol, desde que o homem primitivo aprendeu a se divertir chutando o crânio dos adversários abatidos nas batalhas, passar a bola (ou o crânio) para um companheiro era uma jogada conhecida como “passe”: Júnior deu um passe perfeito para o Zico. De uns tempos para cá, passou a ser denominada “assistência”. Tem jogador que não faz gol, mas dá assistências perfeitas e para isso ganha milhões. (Tão bom seria se, seguindo esse exemplo, também os ricos dessem assistência aos pobres; a Justiça, aos desvalidos; os adultos às crianças...).

Vivemos em meio a coisas mutáveis e provisórias. Já dizia Camões que “Todo o Mundo é composto de mudanças”. Por que não haveria de ser assim com as palavras? Às vezes elas sofrem tantos trambolhões ao vagar pelos séculos, passar de um continente para outro e rolar de boca em boca que acabam dizendo coisas opostas ao que diziam ao nascer. “Manco”, por exemplo, deriva da palavra latina para “mão”. E como é que Neymar, ao levar um chute na canela, sai de campo “mancando”? Sacudindo as mãos para o alto?

Eu tenho um amigo que se orgulha de ter recebido propina em Portugal. Corrupto, ele? Não! É que a palavra entre nós cheira à corrupção, mas lá na terra dos camões, dos pessoas e dos saramagos significa apenas “mensalidade escolar”. Ou seja, meu amigo era bolsista na faculdade, não pagava propina, ao contrário: recebia.

A verdade é que toda língua se transforma incessantemente e sem que percebamos. Não fosse assim, e estaríamos falando igualzinho aos marujos que aqui chegaram com Cabral em 1500. Ou escrevendo versos de amor como este: “No mundo no me sei parelha/ Mientres me for como me vay./Cá já moiro por vós – e ay”/ Mia senhor”,  ou seja: “No mundo não conheço quem se compare/ A mim enquanto eu viver como vivo/ Pois eu morro por vós – aí!/ Minha senhora”. (Canção da Ribeirinha, de Paio Soares de Taveiró.  1189. Primeiro texto literário em língua portuguesa (galaico-português) de que se tem registro).

Essas coisas acontecem por conta da... Ops! Essas coisas acontecem por causa da infidelidade dos falantes. Porque também as palavras são vítimas da humana inconstância. Embora o dicionário as tente preservar, o povo usa e abusa delas, torce e distorce, abandona e troca uma por outra, como faz qualquer amante infiel. Sim, as palavras mudam, e tão sutilmente, e tão devagar, e tão tenazmente que nunca percebemos essa mudança. Mas nem por isso precisamos aderir apressados a todas as novidades. Resistamos, sejamos diferentes. Ou diferenciados, sei lá!

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Chuvas, raios e trovoadas

terça-feira, 06 de fevereiro de 2024

Os incrédulos dirão que ramos e preces não fazem o milagre de desviar raios e tempestades

            Acredito que vocês, tanto quanto eu, ficaram preocupados com as chuvas que desabaram recentemente sobre nossa cidade. A gente começa logo a pensar nas pessoas que moram à beira dos rios, ao pé dos morros, gente que leva a vida aos trancos e barrancos, barracos e temporais.

Os incrédulos dirão que ramos e preces não fazem o milagre de desviar raios e tempestades

            Acredito que vocês, tanto quanto eu, ficaram preocupados com as chuvas que desabaram recentemente sobre nossa cidade. A gente começa logo a pensar nas pessoas que moram à beira dos rios, ao pé dos morros, gente que leva a vida aos trancos e barrancos, barracos e temporais.

            Tanta água me fez lembrar... Quando nasci, um anjo torto, desses que vivem nas sombras, como diria Drummond, me salvou das chuvas exageradas que de repente caíram sobre nossa casa. Morávamos na base do morro onde então se erguia orgulhoso o colégio da Fundação Getúlio Vargas. Do outro lado, bem acima do nível da rua, ficava a Estação de Cargas da Leopoldina Railway. Quando a enxurrada vinda lá de cima entrou pela nossa janela, junto com ela veio o tal anjo, disfarçado de funcionário da ferrovia, e me levou nos ombros para o prédio da estação. E lá fui eu, parecendo (que Deus me perdoe mais esse pecado), jesuscristinho nos ombros de São Cristóvão.

Das trovoadas perdi o medo ainda criança, uma vez que meus avós me explicaram que tudo não passava de arrumação que estavam fazendo no céu. De fato, sendo o céu tão grande, grandes deviam ser os móveis de lá e, portanto, não havia como arrastá-los sem fazer muito barulho. Explicações claras, lógicas e científicas como essa têm a vantagem de acabar para sempre com medos infundados.

            Quanto aos raios, não sei o que dizer, graças a Deus, é nula a minha experiência a respeito. Antigamente, quando se estava com muita raiva de alguém, dizia-se "raios o partam!", praga tão arrasadora que nunca atingia o alvo, mais fácil era morrerem praguejador e praguejado de morte natural, antes mesmo que um mísero raio caísse perto deles.

            Contra todos esses arroubos da natureza bem protegida ficava a casa de meus avós. Rezar um Pai Nosso e uma Ave Maria era certeza de que nada de mau nos atingiria.  Também ajudava bastante um ramo benzido na Semana Santa e colocado atrás da porta da cozinha. Os incrédulos dirão que ramos e preces não fazem o milagre de desviar raios e tempestades. Talvez não entendam que o milagre não consistia em desviar raios e tempestades, e sim em nos fazer ficar tranquilos com o que estava acontecendo lá fora e ir cuidar de outra coisa, enquanto a água e o vento brigavam com as árvores do quintal e faziam barulho no telhado.

            Espero que as chuvas não voltem com tanta intensidade e que, se voltarem, não tragam estragos, prejuízos e lágrimas. Por via das dúvidas, melhor colocarmos um ramo bento atrás da porta, rezar um Pai Nosso e uma Ave Maria. Sempre dá certo. Falo por experiência própria.

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Grandes obras

terça-feira, 19 de dezembro de 2023

Algumas referências pouco elogiosas ao prefeito, à sua família, e especialmente à senhora sua mãe

Contrariando o ditado popular, Machado diz em um de seus livros que a ocasião não faz o ladrão, o ladrão nasce feito, a ocasião apenas lhe dá a oportunidade.  A frase não é bem assim, nem bem Assis. Afinal, reproduzir o que ele escreveu é só estragar o que já nasceu perfeito. Mas no momento não estou com disposição para folhear livros à procura de uma frase. O sentido é esse mesmo e está bem claro, acho eu.

Algumas referências pouco elogiosas ao prefeito, à sua família, e especialmente à senhora sua mãe

Contrariando o ditado popular, Machado diz em um de seus livros que a ocasião não faz o ladrão, o ladrão nasce feito, a ocasião apenas lhe dá a oportunidade.  A frase não é bem assim, nem bem Assis. Afinal, reproduzir o que ele escreveu é só estragar o que já nasceu perfeito. Mas no momento não estou com disposição para folhear livros à procura de uma frase. O sentido é esse mesmo e está bem claro, acho eu.

Estou dizendo isso para esclarecer que não sou dos que pensam que todo político, ao assumir um cargo, ou ao menos uma brechinha no Poder, automaticamente se torna desonesto. A ideia generalizada é de que são demais as facilidades e excessivas as leis que os protegem. Então, não haveria como resistir à tentação de retirar ao menos uma lasquinha do dinheiro do povo. Mas não é a ocasião que faz o ladrão. O ladrão é que faz a ocasião.  Além disso, como escreveu Geraldo França Lima, “Povo é um conjunto de ninguém”. Portanto, a quem cabe reclamar quando o bem público vira fortuna particular?

Toda generalização é perigosa e, sem dúvida, há muitos políticos honestos. Pobres de nós se não fossem eles, aí mesmo é que as ratazanas não deixavam nem o farelo do queijo. E é já de saída isentando aqueles que exercem honradamente seus cargos que ouso contar a história seguinte. Não vou dizer o nome da cidade, nem dos personagens. Afinal, não estou aqui para levar um tiro só para satisfazer a curiosidade dos leitores.

Pois bem, num canto qualquer das terras fluminenses, o prefeito mandou construir uma creche. Ação louvável, sobretudo por se tratar de uma localidade humilde e afastada do centro. No centro, sabe como é, todo mundo quer se meter em tudo. Muito diferente é numa ruazinha poeirenta, lá onde Judas perdeu a segunda bota. Bem felizes devem ter ficado aquelas mães, tendo finalmente um lugar para deixar os filhos por algumas horas. Só assim elas poderiam descansar ─ cozinhando, lavando, varrendo, esfregando, passando roupa, dando banho nas que ficaram em casa, cuidando da mãe velhinha. E, nos momentos de folga, ajudando a vizinha doente. Quer dizer, com a creche elas passariam a levar uma vida de madame, com tempo até para tomar banho (quando tivesse água).

Mas o prefeito, como se já não tivesse realizado bastante ao dotar o lugarejo de uma creche (que, conforme as contas apresentadas, custou uma fortuna aos cofres públicos), resolveu reformá-la pouco tempo depois. Tão digna de nota era essa realização municipal que uma repórter resolveu ir conhecê-la e mostrá-la para todo o Brasil. Só um pequeno obstáculo impediu que a histórica reportagem fosse ao ar: a creche não existia. Como assim não existia? Não existia, ué! Nunca foi construída. E mais: até o momento da reportagem, era desconhecido o local (banco ou bolso) onde se encontrava o dinheiro gasto na construção e na reforma desse nada.

No endereço, só um terreno baldio. Entrevistados, os moradores afirmaram que a única creche de que tinham notícia ficava a 8 km. Houve alguma revolta e, lamento dizer, até algumas referências pouco elogiosas ao prefeito, à sua família, e especialmente à senhora sua mãe. No entanto, não deixa de ser louvável a preocupação desse burgomestre que, tendo feito uma obra tão útil, pouco depois se preocupou em reformá-la. Que o imóvel não exista na vida real, isso não o faz menos merecedor dos cuidados do Poder Público. Ele existe na boa intenção do prefeito, no Plano de Governo, nos registros do município. Para que mais do que isso? Esse povo também é muito exigente, e esses repórteres muito fofoqueiros! 

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A clareza da fala brasileira

terça-feira, 05 de dezembro de 2023

A gente é incelente neste mundo, professor

A gente é incelente neste mundo, professor

É bem conhecido por nós, brasileiros, o estereótipo do texano como um sujeito grandão, de camisa estampada, que fala alto e se acha mais macho que todo mundo. Se eles soubessem que é isso que pensamos deles, talvez ficassem zangados e, conforme o mesmo estereótipo, um texano zangado pode trazer grandes danos para a integridade física do seu interlocutor. Mas a culpa não é nossa, é dos filmes americanos, principalmente dos faroestes, nos quais o herói enfrenta sozinho uma quadrilha de vinte bandidos, mata todos eles, e nem por isso sua roupa se rasga ou seu cabelo se despenteia.

Tem até uma piada, mais antiga do que a Sé de Braga, cujo prédio é de 1070. Pois bem, o texano mal desembarcou no Galeão e foi botando banca: “Na minha terra todo mundo é muito macho!” O nosso patrício modestamente retrucou: “Aqui metade é homem, metade é mulher, e funciona muito bem”. E funciona mesmo. Se os americanos têm maneira melhor de lidar com esse assunto, podem ficar com ela.

Cada povo fala e vive à sua moda, e o que é poesia em um lugar é grosseria no outro. Se não me engano foi o multi-instrumentista Egberto Gismonti que contou como o comportamento dos japoneses durante um concerto o deixou surpreso.  Além do som dos instrumentos, só o que se ouvia no auditório era um silêncio de pedra. Ninguém respirava. Sabendo da alta qualidade de sua obra, Gismonti certamente contava com aplausos ao fim de cada peça. Nada disso. A plateia inteira se levantava, curvava-se silenciosamente diante do músico e voltava a sentar-se (em silêncio). No Brasil, são comuns os aplausos ─ quando não assobios e gritos ─ mesmo em meio à apresentação.

Outro dia me enviaram uma série de frases que só brasileiro entende. Na verdade, é difícil explicar a quem não conhece português que “pois sim” é negativa e “pois não” é afirmativa. Se um estrangeiro fala com uma de nossas garotas que vai beijá-la, e ela responde “pois sim!”, o mais provável é que ele receba um tapa na cara no lugar do beijo que esperava (se bem que nem todas as garotas brasileiras são assim tão recatadas). Mas o fato é que nosso idioma tem suas maluquices. “A luz dormiu acessa”, “Escuta só pra você ver”, “Essa rua vai pra onde?”, “Tem, mas acabou”, “Tô esperando o sol esfriar”, “Não vi nem cheiro”, e “Fiquei preso do lado de fora” são pérolas do português brasileiro.

Essas são contribuições anônimas, mas algumas têm autoria reconhecida, ou pelo menos alguém a quem elas são atribuídas (atualmente nunca se sabe. Gabriel Garcia Márquez disse que preferia morrer a ser autor de textos que atribuíam a ele na internet). Um diretor de futebol paulista, tido como homem de poucas letras, ficou famoso pelas frases que dizia (ou diziam que ele dizia), as quais, embora sem pé nem cabeça, tinham uma lógica irrefutável. “Esses jornalistas que hoje me criticam um dia escreverão minha autobiografia”, era uma delas. Para dizer que um bom jogador devia sair-se bem tanto na grama seca quanto molhada, teria declarado que um bom atleta precisava ser como pato: “aquático e gramático”. Sensato e experiente, reconhecia: “O difícil, como vocês sabem, não é fácil”. E mais esta, que é um primor de sabedoria e clareza: “Se entra na chuva é pra se queimar”. Encerremos com a que me disse um pedreiro que trabalhou em minha casa: “A gente é incelente neste mundo, professor”. Não entendi nada, mas estou de pleno acordo.

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