Doenças raras: novas tecnologias podem revolucionar tratamento e trazer benefícios

Falta de informação dificulta acesso de pacientes a tratamento adequado
sexta-feira, 10 de março de 2023
por Jornal A Voz da Serra
(Foto: Pexels)
(Foto: Pexels)

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), existem de seis a oito mil doenças raras no mundo, cujas condições em geral são crônicas, progressivas e incapacitantes. Podem também ser degenerativas e usualmente causam grande impacto na qualidade de vida dos pacientes e de seus familiares, muitas vezes reduzindo sua expectativa de vida.

Do total deste tipo de doença, apenas 4% contam com algum tipo de tratamento, e 30% dos pacientes acabam morrendo antes dos cinco anos de idade. No Brasil, estima-se que até 13 milhões de pessoas possam ter alguma dessas patologias. São muito comuns os casos em que o paciente só descobre determinada enfermidade depois de muitos anos, às vezes décadas, por vezes recebendo diagnósticos equivocados. 

Diagnóstico aos 20 anos

É o caso de Deise Zanin, presidente do Instituto Atlas Biossocial, uma organização sem fins lucrativos que trabalha no apoio às pessoas com doenças crônicas, graves e raras. O instituto oferece suporte geral aos pacientes e suas famílias, disseminando informações de modo a permitir o diagnóstico precoce e o conhecimento da sociedade em geral sobre estas doenças.

Zanin só teve conhecimento de que tinha uma doença rara aos 20 anos, quando foi diagnosticada com MucoPoliSsacaridose (MPS) tipo 1, e iniciou um tratamento no Hospital de Clínicas, em Porto Alegre-RS. 

Trata-se de uma doença genética, ainda sem cura, mas tratável pela reposição periódica da enzima que não funciona nesses pacientes. Isso impede o corpo de degradar substâncias que são normalmente produzidas, mas que, na falta de uma degradação adequada, acabam se acumulando, o que gera consequências em vários tecidos e órgãos. “Eu levei 20 anos para ter o diagnóstico, e foi suspeita de um oftalmologista, que me encaminhou para o geneticista”, relata Deise.

Na maioria das vezes, o paciente procura médicos especialistas, faz uma série de exames, mas o diagnóstico final demora de quatro a cinco anos em média. Ainda assim, os desafios no tratamento são inúmeros, em muitos casos levando à morte precoce do paciente. “Os sintomas às vezes são muito graves, e sem o diagnóstico correto haverá idas recorrentes à unidade de saúde, internações, os pais vão precisar parar de trabalhar para cuidar da criança. Então é uma série de problemas relacionados que podem ser evitados com mais informação”, explica Deise.

Portanto, recomenda-se que, à medida em que a criança cresce, os pais atentem para a existência de diferenças em seu desenvolvimento em comparação a outras crianças. Se algo diferente for observado, um médico geneticista deve ser procurado, pois pode ser o caso de uma doença rara. Para Zanin, falta conscientização sobre as doenças raras. 

“O desconhecimento pela população e pelos próprios médicos, e a falta de ações concretas pelo poder público, tudo isso é limitante e muito triste para as famílias. Já ouvi relatos de pais que alertaram seus pediatras sobre diferenças no desenvolvimento de seus filhos, mas foram ignorados. E isso mudou pouco nos últimos anos”.

Tratamentos atuais não são 100% eficazes

As mucopolissacaridoses são doenças genéticas que fazem parte dos erros inatos do metabolismo, nas quais a produção de enzimas responsáveis pela degradação de alguns compostos é afetada, e o progressivo acúmulo destes compostos no organismo do paciente provoca diversas manifestações.

Entre as consequências das MPS, podem estar limitações articulares, perda auditiva, problemas respiratórios e cardíacos, aumento do fígado e do baço e déficit neurológico.

A incidência das MPS é de cerca de um caso para cada 25 mil nascidos vivos, e de acordo com a enzima que se encontra deficiente, elas podem ser classificadas em 11 tipos diferentes. No Brasil, o mais prevalente é o tipo II, conhecido como Síndrome de Hunter — um caso para cada 70 mil nascidos vivos, com uma média de 13 novos casos ao ano detectados pela Rede MPS Brasil. Ocorrendo quase exclusivamente em pessoas do sexo masculino, a MPS II, sem o tratamento adequado, pode levar à morte do paciente nas duas primeiras décadas de vida.

Já a MPS tipo I é causada por uma deficiência na enzima alfa-L-Iduronidase. Sua forma mais grave é conhecida como Síndrome de Hurler e se manifesta logo nos primeiros meses de vida, na forma de anomalias ósseas, aumento do fígado e do baço, e atraso no desenvolvimento psicomotor do paciente. O aumento do volume da língua, a perda auditiva e a opacidade da córnea também são sintomas frequentes, assim como problemas respiratórios e cardíacos. Por isso, após o diagnóstico, os pacientes precisam de uma rede de apoio multidisciplinar.

Teste do Pezinho

As MPS I e II, assim como outras enfermidades, poderiam ser facilmente detectadas por meio da expansão do Teste do Pezinho, que foi proposta para ser implementada no SUS pela lei 14.154 publicada em 27/05/2021. A realização deste teste é de extrema importância em todas as crianças, uma vez que o diagnóstico precoce e o tratamento adequado podem mudar a história dos pacientes com esta doença. Porém, apesar da promulgação da lei, os testes ainda não são implementados. Para a presidente do instituto, este é um problema sério:

“A lei do teste do pezinho ampliado foi sancionada, mas ainda não saiu do papel. Queremos que ela vire realidade, que os profissionais de saúde lembrem das doenças raras no seu dia a dia”, complementa Deise. Mesmo com a detecção precoce da doença, os tratamentos disponíveis atualmente não são completamente eficazes, uma vez que não conseguem ultrapassar a barreira hematoencefálica (BHE), uma membrana permeável que regula a passagem de moléculas para os neurônios. Desta forma, o tratamento não consegue conter os efeitos neurológicos da doença, que podem incluir hiperatividade, convulsões, epilepsia, perda da audição, ansiedade, depressão, declínio cognitivo e até demência precoce, entre outros. “Nossa esperança é de ter acesso a um novo medicamento que trate esses problemas, e poder usá-lo”, reitera a presidente do instituto.

Novos medicamentos e o tratamento no Brasil

Desde 2018, a JCR Farmacêutica — empresa de origem japonesa fundada em 1975 e focada no tratamento de doenças raras — desenvolve estudos clínicos de um novo medicamento para a MPS I e II no Brasil. O tratamento é aplicado por via intravenosa e atravessa a barreira hematoencefálica, chegando ao sistema nervoso central, além de atuar também em todo o corpo. No Japão, o medicamento para pacientes com MPS II está disponível há quase dois anos, e mais de 70 pacientes já usufruem de seus benefícios.

O estudo é liderado pelo geneticista e professor do departamento de genética da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Roberto Giugliani, também realizado na Universidade Federal de São Paulo, com coordenação da geneticista e professora da Unifesp, Ana Maria Martins.

“Novas tecnologias associadas a enzimas capazes de cruzar a barreira hematoencefálica (sangue-cérebro) permitem tratar as manifestações neurológicas a partir de tratamento administrado na veia. A combinação dessas novas tecnologias de tratamento com o diagnóstico precoce, idealmente através do teste do pezinho, trará um ganho significativo na qualidade de vida dos pacientes com MPS”, explica Giugliani. (Fonte: Agência Fato Relevante)

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