Toda criança com deficiência tem direito de estudar. Será?

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013
por Dalva Ventura
Toda criança com deficiência tem direito de estudar. Será?
Toda criança com deficiência tem direito de estudar. Será?

Situação difícil, dura demais. Ter um filho com alguma deficiência e além de todos os problemas enfrentados ficar batendo de porta em porta—ou melhor, de escola em escola—em busca de uma que aceite matriculá-lo ou que ofereça o que necessita para se desenvolver intelectualmente. Afinal, a quem compete esta responsabilidade? 

Para começo de conversa é bom que se diga: toda criança tem direito à educação. Mas o que fazer se o filho tiver uma deficiência que dificulta seu processo de aprendizagem, como a dislexia, os distúrbios de déficit de atenção, a síndrome de Down, deficiências visuais ou surdez? Quando a família tem condições para bancar as mensalidades de uma escola particular, é natural que queira—ou pelo menos pense na possibilidade—de matricular o filho lá. Afinal, falam tanto em inclusão, não é?

Até pode ser. A experiência mostra, porém, que é muito difícil conseguir uma vaga nesses colégios. As alegações podem ir da verdade nua e crua às desculpas mais sutis. Aí começam as dúvidas e os questionamentos. Vem um e diz: “Isso é ilegal!”. Vem outro e confirma: “Tem uma lei que obriga as escolas a aceitar”. E ainda outro que acrescenta: “É uma discriminação, você devia processar esta escola”.  

 

Escolas podem ou não recusar matrícula de crianças com deficiência?

 

Toda criança com necessidades especiais tem direito a estudo, mas quem tem de oferecer este estudo? O decreto nº 7.611, de 17 de novembro de 2011, não deixa margem a dúvidas: tal dever seria mesmo do Estado. O diretor acadêmico do Colégio Anchieta, Luiz Alberto Boing, o Lula, reafirma que nenhuma escola particular pode ser penalizada juridicamente por não aceitar uma criança com deficiência.  

Assim como outras escolas, o Anchieta tem vários alunos com necessidades especiais matriculados, mas são dificuldades contornáveis, que o colégio consegue atender. Tem, inclusive, uma aluna com 20% da visão no 3º ano do ensino fundamental. “Nosso limite é a família. Quando esta concorda com nossa abordagem e nos apoia a gente vai levando. Com um detalhe: a escola se reserva ao direito de dizer como a criança deve ser atendida lá dentro.” 

A seu ver, seria inconstitucional obrigar escolas particulares a aceitar crianças com deficiências graves. Por uma razão muito simples: o serviço prestado é pago pelas anuidades e a maioria não tem necessidades especiais. Não seria correto, portanto, onerar as mensalidades para atender a um, dois ou três que têm estas necessidades. As escolas não têm condições de acolher e também de formar os professores para dar conta de todos estes alunos. Lula é enfático quando afirma que isso seria uma enganação e caracterizaria uma “inclusão excludente”, já que de uma forma ou de outra acabaria excluindo os mesmos.  

O Nossa Senhora das Dores não costuma fazer objeções à matrícula de alunos com deficiências leves. Segundo seu coordenador pedagógico, Felipe da Silva Ferreira, a escola não tem um parâmetro definido. Diante de uma deficiência mais grave, o caso é discutido na coordenação. Em seguida, marca-se uma conversa franca com a família, a fim de esclarecer o que o colégio poderá ou não fazer por aquela criança.   

Os pais não devem se iludir com metas que não poderão ser atendidas. É importante, por exemplo, que ela seja acompanhada por um ou mais especialista fora da escola, que procura ter um contato estreito com estes profissionais para acompanhar de perto a evolução da criança. 

De uma forma ou de outra, quando ela chega à 8ª série a família é convocada, pois no ensino médio as dificuldades se acentuam e novos parâmetros são estabelecidos. Cada vez mais o adolescente vai precisar caminhar com as próprias pernas. Neste momento, então, pode ser mais interessante matriculá-lo em cursos técnicos que valem pelo ensino médio, onde ele se sinta mais inserido. 

 

  O que diz a lei

 

Consultamos o advogado Antônio Lugon, que reitera a posição do diretor. “Em termos jurídicos e tecnicamente falando, o decreto confirma ser dever do Estado dar educação ao público-alvo da educação especial. Além disso, define as diretrizes para o cumprimento da mesma”, esclarece.  

Portanto, as escolas particulares não teriam obrigação alguma de receber essas crianças. O Estado não pode jogar nas costas das escolas os custos e riscos de uma infraestrutura necessária e indispensável para atender um aluno com alguma deficiência. Assim, desde que não caracterize discriminação—e este é um ponto importantíssimo—cabe às escolas definir se podem ou não assumir esta missão. 

 

Município defende matrículas em salas regulares de ensino

 

Quando os pais acreditam na educação inclusiva e têm condições de arcar com custos, é natural que queiram matricular seu filho em uma escola particular, o que nem sempre é possível. O jeito, então, é partir para outra etapa. Ou seja, sair em busca de escolas públicas. 

É outra luta. Sim, a matrícula está garantida, mas cadê coragem para deixar o filho cheio de dificuldades em uma turma de quase 30 crianças ditas “normais”, aos cuidados de uma professora sobrecarregada e sem qualificação para lidar com ele? Resta, então, a Apae, a Afape ou a Pestalozzi. Mas o que estas instituições poderão, de fato, realizar por seu filho em termos de aprendizagem? São muitas as dúvidas e as incertezas. O que fazer nesta hora?  

Em primeiro lugar, acreditar e, mais ainda, lutar por seus direitos—e os de seu filho. A VOZ DA SERRA entrevistou a psicopedagoga Ana Claudia Herdy Torres Teixeira, especialista em deficiência intelectual e coordenadora de Educação Especial do município em 2012. Ela não concorda com a posição das escolas particulares e afirma com todas as letras que a legislação não diferencia escola pública da particular. Vai além e reafirma que este direito está explicitado na própria Constituição, que garante educação a todo e qualquer brasileiro.  “Nenhum ser humano pode ser discriminado pela sua deficiência”, declara, em alto e bom som.  

Diante desta situação, é preciso ter, em primeiro lugar, bom senso. Apesar de afirmar categoricamente que a rede privada não pode recusar a matrícula de um portador de deficiência, Ana Paula acredita que ainda há muitos mitos a respeito desse assunto e que o modelo de escola que nós temos, seja ela pública ou particular, precisa ser repensado, pois é muito excludente. 

Ana Paula não abre mão de sua posição. Ela acredita que existem mecanismos que permitem à escola particular buscar caminhos para atender estes alunos. E que, apesar de todas as dificuldades, a rede pública recebe crianças e jovens com deficiências gravíssimas que contam com um atendimento todo especial.  

Admite, porém, que nem tudo é uma maravilha. A Secretaria de Educação lida com um déficit de professores gritante, nem sempre é possível conseguir um auxiliar para atender um aluno com problemas de mobilidade ou que usa fraldas. Reconhece também que as professoras nem sempre são as melhores do mundo. E quando ocorrem problemas? Ana Paula responde sem titubear: essa professora será investigada e, se for o caso, afastada. Será? Isso já aconteceu? Ela garante que sim. “Diversas vezes.” 

Nem todas têm a mesma vocação que Ana Cláudia sempre demonstrou em seus tempos de professora para lidar com alunos-problema. Ficava louca quando alguma colega dizia que um aluno não aprendia nada e não sabia mais o que fazer com ele. E dizia: “Manda para mim” e se virava nos trinta para trabalhar com essas crianças. Tentava uma coisa, depois outra, algumas avançavam, outras continuavam com uma dificuldade medonha e ela ali, buscando respostas. Muitas vezes deitava e não dormia, preocupada com seus aluninhos. Mexer com eles significava arrumar confusão com ela. 

Até hoje seus olhos brilham quando fala de inclusão. Segundo ela, os que estão em instituições e aqueles que estão matriculados em escolas comuns é gritante. Sem negar o trabalho da Apae e congêneres, não abre mão de sua posição. Ou seja, a pessoa com deficiência—principalmente, intelectual—aprende principalmente no convívio social. E garante que se tivesse um filho com deficiência o matricularia em uma escola pública, pois acredita piamente que ele estaria melhor atendido assim.  

 

 

Com a palavra, a Apae

 

A maior expectativa dos pais de uma criança com alguma deficiência é matriculá-lo em uma escola comum. A Apae e congêneres representam um atestado de suas dificuldades e limitações. Tanto isso é verdade que apesar de alertada, muitas vezes a família se arrisca e teima em levar o filho antes da hora para uma escola regular. 

Maria das Dores Mello Pacheco, a Dorinha, presidente da Apae Nova Friburgo, está cansada de ver isso acontecer. Ele vai, não encontra pessoal preparado para recebê-lo e acaba voltando. No caso do deficiente visual, auditivo ou físico, as escolas até costumam dar conta. Só que isso não vale para todos os casos. O deficiente mental, por exemplo, precisa de outras coisas. 

Por isso mesmo Dorinha faz questão de deixar claro que acredita, sim, na inclusão, mas com responsabilidade. Algumas questões ninguém tem coragem de falar, como o bullying ou o “eu finjo que ensino e você finge que aprende”. Além de preparo, a professora precisa ter dom para lidar com o deficiente. Será que todas sabem lidar com uma criança que vomita, que usa fraldas, que tem convulsões? 

 

 

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