O trabalhador

Wanderson Nogueira

Palavreando

Aos sábados, no Caderno Z, o jornalista Wanderson Nogueira explora a sua verve literária na coluna "Palavreando", onde fala de sentimentos e analisa o espírito e o comportamento humano.

sábado, 04 de maio de 2024

Não é de poesia o chão de fábrica. Dê valor ao trabalho árduo de quem deixa os seus e acorda cedo para prover os que ama. Não romantize o sol que queima os ombros do homem do campo que madruga para dar o que comer a quem nunca comeu poeira de roça. Arar a terra, molhar a horta, fazer brotar o alimento. Fazer as linhas virarem tecido, fazer o pano se tornar vestimenta. Transformar o trigo em pão. Dar forma ao aço que torna as moradas seguras.  

É árdua a jornada do trabalhador. É operária a cidade de confecções e fábricas metalúrgicas. Nem todos são donos, ainda que sócios minoritários de planos e sonhos. O que nos motiva é o que sempre nos moverá. Muitas vezes, até mover moinhos.

Na esperança de voltar para casa, o trabalhador sai cedo à labuta, sem a expectativa de enriquecer, mas na determinação de, ao retornar, levar o pão para casa. Cuidado de mãe e pai no esforço diário de, além de suprir aos filhos o sustento, lhes oferecer — ainda que tomados pelo cansaço — o carinho. 

O amor mora no esforço, que não é gratuito, tampouco produto da magia. O perfume do amor é muito deste suor dedicado que não aparece nos álbuns dos retratos que marcam a linha do tempo da vida. Mas é o que, nitidamente — nem sempre valorizado — permite esses destaques: festa da alfabetização, formatura, ver os filhos formados na universidade, casados, testemunhar a família crescer… De repente, apesar de tudo, ser feliz! 

No campo, no comércio, no canteiro de obras, na confecção, na fábrica, na sala de aula, nas redações dos jornais, os trabalhadores fazem a cidade acontecer. Por seus braços e mentes escrevem a história coletiva do que os livros podem chamar de povo ou nossa gente. Cada nome, cada identidade, cada pessoa, eu e você, somos esse tal de povo, essa tal de nossa gente. 

É o humilde passo de cada um que verdadeiramente faz o caminho de todos. Lugar só faz sentido com essa soma que permite a todos chamar o mesmo canto de nosso: nosso lugar, nossa cidade. Não tem dono, um único dono, para decepção de um e outro que esqueceu que o baronato acabou junto com a escravidão. 

Ensinar, aprender, produzir. Verbos transitivos, às vezes direto, por vezes relativo. Nascemos para nos relacionarmos, criarmos, cocriar. Somos por natureza inventivos e é da nossa natureza interferir no que alguns simplificam ao chamar apenas de destino. Quisera o trabalho de cada um ser simples. Pois nem sempre é fascinante, ainda que digno. Quisera o trabalho de todos ser devidamente valorizado e que o lucro fosse compartilhado de forma justa, tanto quanto reconhecido.    

Em tempos de inteligência artificial, não é artificial o que nos trouxe até aqui, mas um acúmulo coletivo do que esta geração e nossos antepassados produziram. O que se anuncia sobre grande parte das futuras profissões ainda não existirem e que muitas das atuais deixarão de existir, que o humano seja o protagonista. Para ter mais tempo livre para cuidar dos seus e de si mesmo. 

Que o trabalhador não seja um mero detalhe, pois sem ele não há quem possa consumir o que é produzido. Mas acima disso e para além do capital, que o prazer de viver mais e mais intensamente seja a consequência de todo trabalho empenhado ao longo da história por todos, mas que desta vez seja para todos. Pode parecer um ingênuo sonho de trabalhador, mas enquanto trabalha, por que não ter devaneios de igualdade?

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