Nova Friburgo não tem memória

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

O município de Nova Friburgo era formado por quatro freguesias: Freguesia de São João Batista, sede da vila, Conceição de Sebastiana (atualmente pertence a Teresópolis), São José do Ribeirão (hoje segundo distrito do município de Bom Jardim) e Nossa Senhora da Conceição do Paquequer (atualmente pertence ao município de Sumidouro). Serão essas duas últimas freguesias, São José do Ribeirão e Conceição do Paquequer, que se tornarão grandes produtoras de café e abrigarão o maior plantel de escravos do termo de Nova Friburgo, no século XIX. O atual distrito de Amparo localizava-se no perímetro da freguesia de São José do Ribeirão, região que abrigou fazendeiros luso-brasileiros, proprietários dos latifúndios, além de colonos suíços e alemães. O coronel Galiano das Neves, o mais rico e próspero fazendeiro de Nova Friburgo, possuía uma fazenda de café, em Amparo, denominada “Cachoeira do Amparo”, com muitos escravos, propriedade essa ainda com a mesma família. O articulista Nelson Kemp relembra a farta produção agrícola de Amparo, recordando o tempo da fazenda do Coronel Chonchon (Galiano Emílio das Neves Junior), o café enchendo o paiol e os carros de boi repletos de cereais.
Amparo foi um importante distrito agrícola de Nova Friburgo até aproximadamente a década de 50 do século XX, com predomínio da lavoura branca, hortaliças e frutas. Produzia café, milho, feijão e cana-de-açúcar, abastecendo o Rio de Janeiro e Niterói com produtos de sua lavoura como a batata-inglesa, tomate, cenoura, arroz, ervilha, repolho, nabo, aipo, batata-doce, feijão, mandioca, caqui, lima, tangerina, laranja, banana, pera, uva, maçã, pêssego e ameixa. Extensas plantações de cravo, rosa, margarida, palma, lírio, saudade, entre outras, podiam ser avistadas em seus verdes vales. O que possivelmente corroborou com o declínio da lavoura nesse distrito foi a migração de muitas famílias para o centro de Nova Friburgo, devido ao emprego atrativo nas grandes indústrias recém-estabelecidas na cidade. Nova Friburgo entra na Era Industrial com a instalação das primeiras fábricas, a partir de 1911.  
Lumiar igualmente desfrutara de maior prestígio até o primeiro quartel do século XX. Possuía uma imprensa ativa, bons colégios, uma banda de música e no campo da sociabilidade o Jockey Club de Nova Friburgo, fundado em 1881 pelo Barão de São Clemente, onde se realizavam as corridas no Prado Entre Rios. Como ocorreu em Amparo, colonos suíços e alemães se dirigiram para Lumiar em busca de melhores áreas abandonando as terras ingratas do Núcleo Colonial. 
A partir de meados de século XX, Amparo e Lumiar ficam no ostracismo não tendo a atenção de sucessivos governos municipais. Há uma explicação para isso. Como dito antes, Nova Friburgo industrializa-se. Julius Arp instala em Nova Friburgo, em 1911, a fábrica Rendas Arp, trazendo outros industriais alemães como Maximilian Wilhelm Bogislav Falck (Fábrica Ypu) e Carl Ernst Otto Siems (Fábrica de Filó). O executivo municipal, devido à instalação das indústrias, preocupa-se mais com a urbs do que com os seus arrabaldes. As outrora pujantes zonas agrícolas, que abasteciam a mesa dos cariocas e fizera a riqueza do município, já não interessam mais ao governo municipal. Novos atores, os industriais alemães, têm preeminência e a cidade sobrepõe-se ao campo. Mas isso não é um fato isolado. Em todo o Brasil, a partir da década de 40, do século XX, a população urbana já é superior a rural. O caipira, aquele que foi o suporte da economia nacional, é ridicularizado pelo homem urbano.
Lumiar se beneficiou do descaso do governo municipal e do isolamento da urbs. Ficou parada no tempo e a sua atmosfera rural e pacata acabou atraindo turistas cariocas, desejosos da tranquilidade e do frescor do campo que se contrapõe a fumaça e ao barulho da metrópole. No entanto, não se pode dizer o mesmo de Amparo. Apesar de sua rua principal ainda conservar o casario colonial, suas redondezas maltratadas são testemunho de um completo descaso com o distrito que fora celeiro de Nova Friburgo. O velho cineteatro, memória de sua belle époque, merecia um tombamento e, se o foi, melhor acolhimento e preservação pelo poder municipal. Mas tudo isso acontece porque Nova Friburgo não tem memória. O município já merecia um museu para materializar o seu legado histórico, uma atenção privilegiada ao seu centro de documentação e particularmente, preservação do patrimônio histórico que lhe restou. Se Nova Friburgo tivesse memória, teríamos mantido boa parte de nossa história e para ficar em apenas um exemplo, não teríamos permitido que o Teatro D. Eugenia tivesse sido vítima da especulação imobiliária. A memória da cidade se limita ao evento anual do dia 16 maio, por ocasião da comemoração de seu aniversário. Ocorre o desfile na praça principal e professores exigem, pressurosos, redações de seus alunos sobre a história local. “Rebeubéu, pardais ao ninho”, ou seja, grande alvoroço, e no dia seguinte ao aniversário do município, o esquecimento. Nova Friburgo não tem memória!

Janaína Botelho é professora de História do Direito na Universidade Candido Mendes e autora do livro “História e Memória de Nova Friburgo”. historianovafriburgo@gmail.com

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História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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