Os físicos e cirurgiões-barbeiros

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

NOVA FRIBURGO: CIDADE SALUBRE

Parte 1

 Os profissionais que praticavam a medicina no Brasil, no período colonial, dividiam-se em duas categorias: físicos e cirurgiões-barbeiros. Sendo poucos os profissionais habilitados para a vasta extensão territorial, praticavam igualmente a medicina os boticários, os barbeiros, os anatômicos, os algebristas, os curandeiros, os entendidos e os "curiosos”. Até o final do século XVIII, a racionalidade do saber médico pouco se distinguia do conhecimento empírico dos jesuítas, pajés, curandeiros, entendidos, etc. A prática curativa era essencialmente a mesma: sangria, purgativos, infusões com planas e pós, dietas, etc. 

Os físicos residiam geralmente nas principais cidades e vilas. Logo, a assistência da maioria da população ficava entregue a medicina popular. Os cirurgiões-barbeiros compuseram a maior parte dos profissionais de saúde nos séculos XVI e XVII, dada a escassez de físicos. Como esses, se submetiam a um exame para a obtenção de uma "carta” para praticarem, além dos atos cirúrgicos comuns à época, como a sangria, a sarjação, a aplicação de ventosas e de sanguessugas. Incluíam igualmente entre suas atividades arrancar os dentes, barbear e cortar o cabelo. Remanescente da Era colonial, o cirurgião-barbeiro existiu até a primeira metade do século XIX, quando passam a se denominar simplesmente barbeiros. A partir de então, os barbeiros serão uma categoria formada por indivíduos de baixa condição social, geralmente mulatos ou negros, escravos ou livres. Um escravo barbeiro que trabalhava "ao ganho” para o seu senhor tinha grande valor no mercado de escravos. O barbeiro do século XIX exerceu o mister em sua "loja”, ou na residência do freguês. Havia o barbeiro volante, que atendia aos escravos e mendigos em plena rua. Munido de uma trouxa ou pequeno baú onde acondicionava os apetrechos indispensáveis como navalha, pente, tesoura, lanceta, ventosa, sabão e bacia de cobre, o barbeiro volante subsistiu até último quartel do século XIX. Os barbeiros, além de cortar o cabelo e de fazer a barba, praticavam a pequena cirurgia da época, isto é, sangrar, e por isso eram chamados de barbeiro-sangrador. Além de sangrar, aplicavam ventosas, sanguessugas (bichas), clisteres, lancetava abscessos, excisava prepúcios, escarificava, extraía dentes, prescrevia unguentos, pomadas e vendiam drogas como água de colônia e pós de dentes. As sanguessugas eram aplicadas para extrair o excesso de sangue ou o sangue envenenado, sendo importadas de Portugal, França, Itália e Hamburgo. As bichas ou sanguessugas, um verme hematófago, provido de duas ventosas, eram conservadas em um grande vaso de vidro com água. Não eram alimentadas, a não ser com açúcar ou leite de vez em quando, a fim de que permanecessem sempre esfomeadas, prontas para sugarem o sangue quando fossem aplicadas sobre a pele do doente previamente besuntada com açúcar. Até o início do século XX, ainda existiam anúncios nos jornais de Nova Friburgo de venda de "bichas” nas boticas. Apesar de terem que se submeter a exames por cirurgiões para obter "carta de examinação”, os barbeiros foram, na prática, quase todos leigos. Na fachada da loja, nos informa Debret (1818), uma tabuleta com o seguinte letreiro: "Barbeiro, cabeleireiro, sangrador, dentista e deitam bichas”. Nos armários e prateleiras Debret registrou em sua gravura candeeiros e velas que aqueciam as ventosas, tesouras, pentes, navalhas, pedra de amolar, bacias de cobre (que recebiam o sangue extraído), sabão, lancetas, escalpelos, boticões, ventosas, escarificadores, alçapremas, alicates, potes, boiões com unguentos e vasos com sanguessugas. Em 1824, na vila de Nova Friburgo, no inventário de uma botica encontramos bálsamo católico, copaíba, vinagre de chumbo, óleo de amêndoa doce, espírito de seis onças, azeite doce, espírito de casca de laranja, resina de pau santo, aguarrás, óleo de linhaça, óleo de lavanda, potassa crua, éter, óleo de canela, almíscar, óleo de rícino, óleo de hortelã, óleo de cravo, tártaro emético, sal amoníaco, sangue de dragão, sulfato de zinco, pó de Joana, azougue, cremor tártaro, sal amargo, oximel, pomada e mercurial, tintura de bogari composta, ácido sulfúrico, goma guta, estoraque líquido, ácido muriático, água forte, óleo de linho, pedra pomes, manganês, semente de mostarda, almíscar, arsênico, jalapa, serpentárias, açafrão, ácido cavalinho, carbonato de potássio, carbonato de amoníaco, cural, pimenta do reino, água rosada, espermacete, elevo negro, enxofre em canudo, fezes de ouro, semente de Alexandria, sulfato de magnésia, raízes de genciana, poara, extrato de alcaçuz, goma de alcatifa, emplastro mercurial, almíscar de Judá, alvaide, emplastro de molioto, zarcão, sal de chumbo, calomelanos, ópio, azebre, resina de jalapa, raiz de terebintina, goma de alvão, raiz de labaça, raiz ranger, canela, manjericão, raiz de salsa da terra, etc. No Brasil, apenas a partir de meados do século XVIII, foi que os físicos e cirurgiões passaram a usufruir de melhor consideração social até alcançar o prestígio, no século XIX. Na próxima semana, "Os Curandeiros e as Mezinhas”. 

 

Janaína Botelho é professora de História do Direito na Universidade Candido Mendes e autora de

diversos livros sobre a história de Nova Friburgo. Curta no Facebook a página "História de Nova Friburgo”


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Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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