Querem proibir ou querem liberar?

Lucas Barros

Além das Montanhas

Jovem, advogado criminal, Chevalier na Ordem DeMolay e apaixonado por Nova Friburgo. Além das Montanhas vem para mostrar que nossa cidade não está numa redoma e que somos afetados por tudo a nossa volta.

quarta-feira, 17 de abril de 2024

O ano era 1997. Diante da televisão, o Brasil parava para acompanhar os detalhes da novela “O Rei do Gado”, os pronunciamentos do presidente Fernando Henrique Cardoso, as descobertas em torno da ovelha Dolly e outras notícias que estariam nas manchetes das bancas de jornal no outro dia, como a morte do educador e filósofo Paulo Freire e de Lady Di.

As salas de cinema estavam lotadas para a estreia de Titanic, o filme do ano e de muitas gerações de apaixonados. Já no rádio, Gabriel, O Pensador, cantava: “Dizem que é do bom, dizem que não presta. Querem proibir, querem liberar: e a polêmica chegou até o Congresso”.

O famoso trecho de “Cachimbo da Paz”, música feita em parceria com Lulu Santos, refere-se aos projetos de lei que tramitavam no Congresso Nacional nos anos 90 com o objetivo de mudar a legislação sobre drogas, como a maconha no Brasil. Apesar dos 27 anos da música, “vemos o futuro repetir o passado”.

 

Resistência pelo Congresso ao STF

O Senado aprovou na noite da última terça-feira, 16, no plenário, em dois turnos, a chamada PEC das Drogas, proposta de emenda à Constituição que determina que é crime possuir ou portar qualquer quantidade de droga, mesmo que para consumo próprio.

Mas a cannabis já não é criminalizada no país? A criminalização do porte e da posse, mesmo para consumo próprio, já é prevista na Lei de Drogas de 2006, que está em vigor; o Código Penal também prevê crimes sobre o tema. Contudo, não é algo determinado na Constituição Federal, norma mais poderosa de um país.

A intenção da PEC é incluir a regra na Constituição, tornando-a superior a uma lei, mais difícil de ser alterada. Por 53 votos a 9 no primeiro turno, e 52 a 9 no segundo, a emenda à constituição fora aprovada no Senado e agora, o texto seguirá para votação na Câmara dos Deputados.

Outro fato que pesou na aprovação tem relação com o antagonismo com o STF, que vota sobre a descriminalização da maconha. A PEC das Drogas fecha um combo de respostas ao Supremo que o Senado diz ser necessário dar, em nome da não interferência na relação entre os poderes.

 

Retrato da sociedade brasileira

O placar de votação chamou a atenção de especialistas? Na verdade, não. Trata-se de um tema no qual o que prevalece é a visão sobre as drogas de grande parte da sociedade: uma visão de que se for estabelecida uma quantidade, isso pode gerar um incentivo ao uso de drogas, e as drogas criam dependência e destroem famílias, o que é compreensível.

Além disso, grande quantificação do Senado e da Câmara são compostos pela ala mais conservadora da política, que alcança desde a base do governo e até a oposição. Por entender que é um retrato de maior parte da sociedade, nem o executivo federal comprou essa briga.

A própria liderança governista liberou os partidos aliados para votarem como quisessem – e várias legendas votaram junto com a oposição, pela aprovação da proposta. O Senado tem sua autonomia e legitimidade para decidir o que a maioria pensa. E essa maioria também deverá se repetir na Câmara.

É uma visão legítima, mas como advogado, com uma pós-graduação em direito criminal, entendo que há contrapontos: sem uma quantificação, muitas pessoas pobres, usuárias, são tratadas como traficantes e presas. Para o “uso” a pena é de multa, admoestação verbal e a obrigação de frequentar palestras educativas. Para o tráfico, a pena mínima é de cinco anos de prisão, com regime inicial de cumprimento de pena como regime fechado.

Os critérios atualmente adotados pelo Judiciário são totalmente de cunho pessoal e subjetivo de cada juiz. E muitas vezes, sendo levados em conta, os requisitos individuais sobre quem será preso como: o local onde mora (se é local de tráfico), sua cor, profissão, onde foi apreendido, idade, classe social e nível de estudo.

Nesse sentido, podemos dizer que nos dias atuais é muito mais provável que um usuário de drogas seja condenado à cadeia por morar na favela da Rocinha, do que haja condenação de um verdadeiro traficante no Leblon – mesmo que os dois possuam a mesma quantidade de droga.

 

A discussão pode não acabar aí

 Mesmo que o Congresso aprove a PEC em todos os turnos antes da decisão do Supremo no caso, o julgamento não seria interrompido e não necessariamente a PEC teria efeitos "automáticos". Uma constitucional pode ser impugnada por ações diretas de inconstitucionalidade (ADI).

 Isso porque mesmo as PECs podem ser consideradas inconstitucionais caso se conclua que elas interferem nas chamadas "cláusulas pétreas" da Carta – temas que não são passíveis de mudança. Ou seja, é possível contestar a própria emenda à Constituição por entender que um direito não possa se sobrepor a um outro já existente.

  Enquanto a Alemanha descriminalizou a maconha há 17 dias em seu território, seguindo os passos de países como Holanda, Canadá, Uruguai, Portugal e alguns estados dos EUA, o assunto ainda continua sendo polêmico no Brasil. Afinal, devemos mandar no nosso próprio nariz ou nos inspirar nos países que mudaram - e continuam mudando - suas leis?

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